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Este sábado, numa entrevista ao jornal Dinheiro Vivo, a nossa Diretora-geral, Teresa Cardoso de Menezes, falou sobre a situação que as empresas portuguesas estão a atravessar:
“Os encerramentos e insolvências neste ano estão ao nível de 2019, antes da pandemia. Os apoios públicos podem estar a adiar os fechos, numa altura em que o contexto económico é desfavorável. Já o nascimento de empresas é “muito desanimador”, diz a responsável da empresa especializada em informação sobre o tecido empresarial, que explica que os dois fenómenos estão interligados.
Com os dados já disponíveis sobre as contas das empresas de 2020, que retrato se pode fazer do impacto da pandemia? Neste momento [quinta-feira] já temos 51% das empresas com contas prestadas. São resultados provisórios e não definitivos, mas a percentagem de contas depositadas por setor é muito equivalente e, portanto, entendemos que os números já estarão muito próximos daquilo que será o resultado da atividade das empresas em 2020. No entanto, há aqui alguns casos que podem baralhar os números, nomeadamente algumas grandes empresas, que estão inseridas nalguns setores que podem ou piorar ou melhorar muito estas contas.
E o que mostram os números? Olhamos para a percentagem de empresas que conseguem fazer crescer o volume de negócios e, em tempos normais, de crescimento económico, esse aumento é sempre superior a 50%. Aquilo que tivemos efetivamente em 2019 foram 53% das empresas com o volume de negócios a crescer e apenas 35% a descer. Este número inverteu-se totalmente; em 2020, 51% das empresas que já apresentaram contas desceram o volume de negócios e tivemos apenas 33% das empresas com o seu volume de negócios a crescer. É a primeira ideia – mais de metade das empresas perdem músculo e volume de negócios em 2020. E também já podemos entender um pouco o sentido do volume total de negócio. Com esses 50% de empresas que entregaram as contas, vamos ter um decrescimento do volume de negócios total, que estará entre os 7,5 e 10%. Ou seja, há aqui quase uma semelhança entre a queda do PIB e a queda do volume de negócios das empresas. Neste momento está em 8,5%, para estes 50% de empresas.
Face a crises anteriores, como se compara? No pior ano da crise anterior, 2012, o volume de negócios das empresas caiu 5,6%. Estamos a falar, não digo do dobro, mas de um valor significativamente superior. Sendo que, olhando também para crise anterior, tivemos uma quebra de 5,6% no primeiro ano, em 2012, em 2013 não conseguimos recuperar nada e em 2014 recuperámos 2% face ao valor de 2013. Levámos cinco ou seis anos a voltar ao volume de negócios anterior. “No pior ano da crise anterior [2012], o volume de negócios das empresas caiu 5,6%. Levámos cinco a seis anos a voltar ao volume de negócios anterior.”
O que poderá acontecer na atual crise? Há muita coisa que não conseguimos prever e aquela que é mais difícil, tem que ver com as reconfigurações dos setores. Diria que o setor dos transportes, concretamente o transporte aéreo, o setor do alojamento e da restauração…não sabemos como é que as pessoas vão retomar este tipo de atividades, se alguma vez vão voltar a ter um consumo equivalente ao que tiveram, portanto, estes setores, que foram muito afetados pela pandemia, alteraram os hábitos das pessoas e isso é a coisa mais difícil de prever. Antes disso, vamos ter aqui um efeito que parece que está a ser adiado neste momento, ou está em suspenso, que é o efeito de encerramentos e insolvências, porque ainda estão abaixo de 2019.
Está a falar de dados de 2020 ou de 2021? Dados de 2021 – ainda estamos ligeiramente abaixo de 2019. Portanto, nós tivemos esta quebra, mas as empresas não fecharam. Aliás, quando analisamos o número de empresas em atividade, temos mais empresas ativas neste ano do que tínhamos em 2019 e 2020. Ou seja, as empresas continuam a nascer, ainda muito menos do que anteriormente, mas como não fecham e não entram em insolvência…Há todo um conjunto de medidas e políticas de apoio que foram criadas, enquanto há restrições, há apoios. Há um efeito de desfasamento que está a ser mais prolongado do que em outras crises.
Os apoios públicos estão a evitar as falências e encerramentos? Em crises anteriores, e isto é estudado tanto em Portugal como noutros países, é muito habitual haver um desfasamento entre a queda do PIB e o aumento das insolvências. Há sempre um delay. Nesta crise, e é uma crise totalmente diferente da anterior, houve todo este conjunto de apoios e medidas, para ajudar as empresas a aguentarem-se. E, portanto, na minha opinião, isto vai atrasar, ou adiar ainda mais, a ocorrência deste fenómeno de desfasamento. Porque as medidas continuam em vigor, as moratórias ainda não foram interrompidas e este processo natural de destruição de empresas não está a acontecer.
Uma onda de falências é uma questão de tempo? Estamos todos numa situação que nunca vimos. Isto tem tudo a ver também com a retoma que acontecer. E com estes setores mais impactados. Como os consumidores em geral vão voltar a usar este tipo de serviços, se voltam rapidamente aos valores que tinham anteriormente. Por exemplo, as viagens de negócios, penso que é algo, não sei se desapareceu para sempre, mas que tenderá a nunca voltar aos valores anteriores. Há aqui muita coisa com ponto de interrogação.
Há uma mudança de hábitos que pode ser estrutural e que vai ter impacto no negócio das empresas? Exatamente. Mas normalmente, há um conjunto de empresas que não resistem a impactos desta natureza, e algumas porque a sua própria resiliência financeira era fraca, e estavam numa situação de fragilidade antes da crise começar, outras porque a atividade que exerciam perdeu o sentido. Agora, se o fenómeno de encerramento vai demorar mais tempo ou menos tempo… ele vai acontecer, seguramente. Ele pode é acontecer de forma mais prolongada no tempo. Também é verdade que estes processos de renovação do tecido empresarial, são processos de “destruição criativa”. Há processos permanentes de renovação do tecido, e depois há processos de renovação mais bruscos em resultado de uma crise económica, como a anterior, que foi uma crise financeira, e esta, que é uma crise sanitária. Estas dinâmicas em Portugal já são naturalmente mais lentas. Os processos de insolvência demoram muito tempo, e os encerramentos também demoram muito tempo, e as liquidações, o próprio processo judicial em si é complicado. Se este processo ainda for mais desfasado e mais lento porque está suportado por um conjunto de medidas que se vão prolongar no tempo, então esta renovação vai ser muito mais lenta. Ou seja, quanto mais tempo este processo demorar, mais lenta será a recuperação económica. Porque esta tem a ver com a dinâmica de renovação do tecido e de realocação do emprego. Esta crise tem características muitas diferentes da anterior, mas acho muito difícil que não aconteça um aumento brusco de insolvências e de encerramentos.
Têm estimativas de até onde podem chegar? A nossa estimativa aponta para 10 a 15% de empresas que não vão resistir. E aqui não estamos a falar de insolvências, estamos a falar de encerramentos, empresas que não vão continuar, que vão sair do mercado. E, destas, eu diria que uma parte pequena serão insolventes. Este fenómeno de encerramentos ainda não aconteceu, e normalmente a subida do empreendedorismo tem a ver com a saída de empresas. Saem empresas, entram empresas, quanto mais saem mais entram. E isto não está a acontecer. E mesmo a questão do emprego, do aumento do desemprego, ainda não vimos números nenhuns. É impossível que não venha aí um conjunto de empresas que não resistem. As empresas que receberam apoios durante a crise, não podem despedir. Uma das condições muito claras tem a ver com isso. Não podem encerrar, não podem reduzir pessoal…
O Estado pode estar a apoiar empresas sem viabilidade? A primeira linha de apoios, e bem, foi extensível a todas as empresas que mostrassem ter necessidade. Ou seja, foi um cobertor para todo o tecido empresarial. A continuação dos apoios e agora toda esta questão dos dinheiros que vêm, quero acreditar que vai haver critérios muito cirúrgicos e rigorosos para apoiar as empresas que têm viabilidade. Mas seguramente vai ser um processo difícil. É importante deixar rapidamente o mercado funcionar, em todas suas variáveis, deixar a iniciativa ao mercado. E penso que, enquanto houver restrições, enquanto houver regras impostas, sejam elas regras sanitárias, sejam elas em relação à forma como as empresas podem operar, há uma artificialidade, e há um apoiar que não permite mostrar como é que o mercado vai evoluir.
Os setores mais afetados são os ligados ao turismo, são os que estão em maior risco? Para dar uma ideia, no alojamento e restauração, 74% das empresas decresceram o seu volume de negócios, e no subsetor específico do alojamento de curta duração, 60% desceram mais de 20%. No alojamento de curta duração temos 42% que desceram mais de 50%, foi um tsunami autêntico. E nos serviços turísticos, que foram totalmente proibidos e interrompidos, 60% das empresas desceram mais de 50 % a sua faturação. Diria que nestes dois setores estão as empresas que vão ter maiores taxas de mortalidade.
E os dados das falências nestes setores. O que indicam? Temos aqui um número de insolvências e de encerramentos maior nestes setores, mas é bastante insignificante. Pouco superiores aos valores de 2019. São pouco superiores aos registados num ano de normalidade. As próprias empresas que receberam apoios têm um conjunto de limitações. Não podem receber apoios e ao mesmo tempo encerrar a atividade. Mas eu diria que é nestes setores que haverá uma mortalidade maior, mas não me surpreenderia se fosse generalizada em todos os setores. Há uma altura em que há uma contaminação de toda a cadeia de fornecedores destes setores.
O Fundo de Capitalização de 320 milhões e linha de 100 milhões para apoiar a tesouraria de micro e pequenas empresas vão ser importantes? Todos os apoios são importantes, desde que concedidos com parcimónia. É preciso ter muito cuidado nesta altura com a forma como a distribuição destes apoios vai ser feita. E tenho sempre muitas reservas em relação a isso, porque Portugal é um país onde há muita informação, penso que as instituições responsáveis pela concessão destes apoios têm toda a informação necessária – o prazo para a entrega das contas acaba este sábado -, e rapidamente se consegue ter informação relevante para utilizar na avaliação dos pedidos. E é o único conselho que tenho aqui a dar – que se use a informação disponível num país que tem muita informação sobre as suas empresas. E que se faça um escrutínio cuidadoso.
O que mostram os números deste ano relativamente ao nascimento de empresas? Muito desanimadores. Estamos com um crescimento de final de semestre de 14% face a 2020, mas tivemos um segundo trimestre do ano passado terrível, praticamente sem nascimentos, e ainda estamos 25% abaixo dos nascimentos do primeiro semestre de 2019. Espanha já vai com 10% acima de 2019. E também regista uma subida muito maior dos encerramentos. Tivemos um segundo confinamento muito mais agressivo do que Espanha. A subida de encerramentos e de nascimentos já está a acontecer em Espanha, nós aqui ainda estamos com encerramentos ao nível ou abaixo de 2019, e estamos ainda muito abaixo em nascimentos. E estes dois movimentos estão relacionados. Nós temos uma percentagem de 10 a 30% de sócios das novas empresas que já tinham empreendido antes. Se estão presos numa empresa não vão abrir outra.
Que análise faz da situação da indústria? A indústria estava num ciclo de crescimento, nos anos anteriores, e os números que temos apontam para uma descida do volume de negócios que estará perto dos 10%. Está em linha com o total. Aliás, a indústria é o setor que mais pesa no volume de negócios total das empresas, é um setor muito importante no nosso tecido empresarial. E vai haver aqui uma quebra significativa. Muito conduzida por algumas muito grandes empresas, como a Petrogal, que é a maior empresa portuguesa, e a AutoEuropa, que também teve aqui um impacto grande. Há três ou quatro empresas muito grandes que tiveram quebras significativas, e que impactam no total.
Qual será o impacto que a pandemia terá sobre o nosso ecossistema empreendedor? Estávamos numa fase muito dinâmica com muitas startups de base tecnológica a aparecer. Acho que vai haver um boom. Temos aqui três setores cujos números de constituições em 2021 já está praticamente ao nível de 2019. Há um único que tem mais duas empresas, que é a “agricultura e recursos naturais”. E depois temos as “atividades imobiliárias” que está a 3% e as tecnologias que estão a 5%. Nos últimos anos, 2019, 2018 e 2017, foram muito fortes na criação de empresas de base tecnológica. E, portanto, são números mais difíceis de superar. Mas são os três setores que estão aos níveis de 2019. Todos os outros ainda estão abaixo. Era um dos pontos fortes, toda a nossa base, das incubadoras, todos os centros de apoio nas várias cidades e nos vários concelhos, estes ecossistemas empreendedores estavam muito desenvolvidas e muito avançados, e é uma área muito mais fácil de recuperar. Até porque há aqui esta questão: a área das tecnologias é aquela em que o trabalho remoto é muito bem-vindo, foi muito utilizado, e temos muitas empresas que estão no nosso ecossistema aqui e as pessoas estão em Bali ou em Nova Iorque, onde quiserem.
A pandemia veio acelerar a digitalização e os negócios à volta dela… É uma área que já está claramente na sua senda e na sua atividade normal. E também é uma área onde há muitas transformações, muitas soluções que estão por inventar e que terão resultado da alteração dos hábitos gerais. Fomos obrigados a passar tudo para o remoto, é uma das áreas que vai sair melhor na recuperação desta crise.
Ainda em relação aos dados das contas das empresas de 2020. Há setores que se destacam pela positiva? Dos números que já temos, há aqui um setor que teve um desempenho não tão bom como em 2019, mas foi bom, que foi a construção, um setor surpreendente. O volume de negócios aponta para um crescimento de 6%, é o setor de atividade que mais cresce de todos, depois de um ano em que cresceu 11%. Quase metade das empresas apresentam crescimento do volume de negócios, é o setor que aparece em primeiro lugar, e é seguido logo pelas Tecnologias de Informação. Estas crescem quase 6% , quase o mesmo que no ano anterior, foram dois setores que passaram quase incólumes. Os agregados do seu volume de negócios e dos seus resultados líquidos registam crescimentos. E também crescem no emprego. São tudo dados apresentados pelas contas agora publicadas. Crescem o emprego 4,4% as tecnologias e 4% a construção.
Também têm dados sobre pagamentos. Há mais empresas incumpridoras? Na área dos pagamentos há uma ligeira deterioração dos pagamentos nestes setores mais impactados pelas restrições provocadas pela pandemia, mas não foi um indicador que piorou muito. Houvo um aumento significativo dos atrasos do pagamento na economia. Muitas destas empresas cuja atividade foi interrompida, e que beneficiaram de apoios, lay-off, ajudas à tesouraria, e que tiveram acesso a moratórias, etc., puderam, quando necessário, suspender pagamentos ou pagar alguns compromissos que tinham. Não houve, não sei se vai haver, uma deterioração significativa na forma de pagamento das empresas. Nós acompanhamos muito Espanha, que é um mercado muito ligado ao nosso, e muito parecido com o nosso, e temos sinais diferentes em Espanha. E isso para mim é um sinal que nós estamos a seguir.
Ler a entrevista no Dinheiro Vivo.
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